Da produção de carne bovina brasileira, 76% dstinaram-se ao consumo nacional, situado entre os maiores do mundo (Imagem de timolina no Freepik)
O respeito ao produtor de riqueza
É o começo da solução da pobreza
(Roberto Campos)
Uma das narrativas mentirosas contra o agronegócio afirma: a agropecuária brasileira é voltada essencialmente para a exportação. E não atende às principais demandas e necessidades do mercado local, do povo brasileiro. Há séculos, o desenvolvimento da agropecuária seguiria o modelo agrário-exportador, pai tradicional de todas as desgraças na história da dependência econômica do Brasil, segundo os mesmos detratores. Dentre os produtos brasileiros líderes mundiais de exportação, as carnes são emblemáticas para contrariar essa tese E não são delicta carnis.
Segundo a narrativa agrofóbica, o dito modelo agrário-exportador teria implantado monoculturas de exportação em latifúndios, em parte improdutivos pelo acúmulo e concentração desnecessárias de terras. Comunidades no entorno ficaram dependentes das grandes propriedades, a quem oferecem mão-de-obra barata. Atividade capazes de gerar trocas locais e regionais são descartadas. A exstrutura fundiária concentrada e desigual favorece grandes produtores em detrimento dos pequenos e das produções familiareas, segundo rezam textos escolares.
Doa manuais escolares às redações de jornais e revistas, passando pelas provas do Enem e por certa intelectualidade, o anátema anacrônico é reiterado; o agronegócio voltado para a exportação serve a interesses externos, impede o acesso à terra e leva ao atraso. Isso não tem qualquer fundamento na realidade predominante do mundo rural. Produtos de exportação, sob liderança do Brasil, atendem em primeiro lugar ao grande mercado nacional, e seus excendentes vão para o exterior. As carnes são um exemplo.
Em 2023, a pecuária brasileira produziu um novo recorde de 10,6 milhões de toneladas de carne bovina. Desse total, 2,5 milhões foram exportadas a 155 países. Esses 24% fazem do Brasil, há vários anos, o maior exportador de carne bovina do mundo. Apenas no primeiro semestre de 2024, o Brasil já exportou 1,29 milhão de toneladas, um crescimento de 27,3% em relação ao mesmo período de 2023. A receita foi de R$ 5,69 bilhões de dólares, 17% superior à de 2023.
Da produção de carne bovina brasileira em 2023, 76% destinaram-se ao mercado interno, ao consumo nacional, situado entre os maiores do mundo. Uma disponibilidade de 36 quilos de carne bovina por habitante/ano, ou 0,75 quilo por semana, um incremento de 13,5% em relação à 2022. Situação distante do crônico desabastecimento do passado, responsável pela importação de carne radioativa da Ucrânia pelo governo federal em 1986, quando o Plano Cruzado trouxe à cozinha dos brasileiros o acidente de Chernobyl.
Hoje o principal importador de carne bovina brasileira é a China. Os chineses não importavam quase nada de carne bovina brasileira cerca de uma década atrás. No primeiro semestre de 2024, a China já importou 565.654 toneladas de carne bovina, um crescimento de 10,2% em relação ao mesmo período em 2023 e um faturamento para o Brasil de US$ 2,5 bilhões.
Em segundo lugar como importador de carne bovina brasileira estão os Emirados Árabes Unidos, desconhecidos de muita gente. Emergiram recentemente para essa posição com 95 mil toneladas, um crescimento de 238% em relação a 2023 e um faturamento de US$ 435 milhões no semestre.
Em terceiro lugar ficaram os EUA, com 85.395 toneladas (+19,7 em relação a 2023) e uma receita de US$ 515 milhões. Hong Kong ocupa a quarta posição com 61 mil toneladas (+10,6% em relação a 2023) e US$ 196 milhões. O Chile ocupa a quinta posição, com 48.726 toneladas (+9,4% em relação a 2023) e US$ 229 milhões. Do total exportado, desde gado vivo até cortes industriais, 87,7% da carne embarcada foi in natura, da qual 88% foram de carne sem osso.
Quanto à carne de frango, principal proteína animal do Brasil, a produção em 2023 foi de 14,8 milhões de toneladas, bem superior à de carne bovina. Deste total, 5,1 milhões de toneladas foram exportadas. Esses 35% exportados também fazem do Brasil, há vários anos, o maior exportador mundial de carne de frango: detém 33% do mercado mundial. Os 65% destinados ao mercado interno garantem uma disponibilidade da ordem de 46 quilos de carne de frango por habitante/ano, ou 1 quilo por habitante/semana.
Em carne suína, em 2023, o Brasil produziu 5,2 milhões de toneladas em 2023 e exportou 1,2 milhão. Esses 23% fazem do país o quarto exportador mundial. Os 77% destinados ao mercado interno garantem 18,6 quilos de carne suína por habitante/ano, ou 400 gramas por habitante/semana.
A produção de carne bovina, de frango e suína, em 2023 somou 30,6 milhões de toneladas, das quais 30% foram exportados (9, milhões de toneladas). Da produção total de carnes do Brasil, 70% vão para o mercado interno. Isso representa cerca de 100 quilos de carne por habitante/ano, ou 2 quilos por semana, ou, ainda, perto de 300 grams de carne por habitante/dia.
Estimativas do consumo mundial de carne variam entre diversos estudos e estatísticas (Revista Oeste, Edição 166). No essencial, os dados convergem; quanto mais rico o país, maior é o consumo de carne. Os maiores consumidores de carne, de 100 a 120 quilos por habitante/ano, são EUA, Austrália, Nova Zelândia e Kuwait. Isso é 25 vezes a média de países como a Índia, Bangladesh, Burundi e outros africanos, de cerca de 4 quilos por habitante/ano.
Na segunda pos países grandes consumidores de carnes, na faixa dos 90 a 100 quilos por habitante/ano, estão países como Israel, Canadá, Brasil, a carnívora Argentina e parte da Europa Ocidental. A média da União Europeia é de 85 quilos por habitante/ano, com muita variabilidade. Lidera o ranking europeu a Espanha (100 quilos), seguida por Portugal (94 quilos), Polônia (89 quilos) e Alemanha (88 quilos). No final está a Bulgária, com 43 quilos por habitante/ano.
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As exportações em nada comprometem o abastecimento ao mercado interno e geram riqueza a pequenos produtores
O consumo médio mundial de carnes não pára de crescer. Passou de 20 quilos (1960) para cerca de 40 quilos. Além da expansão da população, ele cresceu com o aumento da renda ou do número de pessoas (sobre tudo na Ásia e nos países árabes) capazes de pagar por um alimento cujo preço, mesmo com tendência de queda, é bem superior ao dos cereais e leguminosas.
Não falta carne no Brasil. As exportações em nada comprometem o abastecimento do mercado interno e geram riqueza aos pequenos produtores. Repetita juvant, o mesmo raciocínio se aplica a grãos, legumes, hortaliças e frutas. Nenhum item exportado compromete a segurança alimentar do país.
A soja é o principal item de exportação brasileiro (grão+farelo). Representa 28,5% do PIB da agropecuária e 6,3% do PIB nacional. Em 2010, esses números eram, respectivamente, 9% e 1,9%. São mais de 236 mil produtores em 18 Estados. Os pequenos agricultores, com menos de 50 hectares de área de imóvel ( e não de cultivo!), representam 73% dos sojicultores. Os médios produtores com área de imóvel entre 50 e 500 hectares, são mais de 15% do total. Em resumo, bem distante do “modelo agrário-exportador”, 90% dos produtores de soja não são latifundiários. Em boa parte, organizados em cooperativas e associações, eles ganham escala e se beneficiam economicamente da maior cultura em geração de renda e riqueza.
A soja, principal cultura do Brasil em volume, exportação e geração de renda, é um insumo industrial: alimenta frangos, suínos, bovinos de leite e indústrias de rações e suplementos, químicas, farmacêuticas, de alimentos e automobilística. E depende de insumos industriais: defensivos, máquinas, equipamentos, computadores, adubos, etc. Ela agrega R$ 695 bilhões por ano à economia nacional. São 129 fábricas de processamento capazes de industrializar 69 milhões de toneladas; 59 unidades de refino e envase de óleos e 69 usinas de biodiesel com capacidade de processar 16,3 bilhões de litros. Em 20 anos, praticamente todos os municípios com forte presença da soja tiveram crescimento de IDH acima da média de seus Estados.
Falta renda a parte da população para adquirir todos os cortes bovinos desejados, como a picanha. Qual é a solução para esse desafio? O exemplo vem da Ásia, destino da maioria das exportações das carnes brasileiras. Os países asiáticos representaram 52% do mercado brasileiro de carne bovina no primeiro semestre de 2024. Na sequência, os maiores mercados, por região, foram o Oriente Médio e o Norte da África: 20,8% do total.
O mercado asiático e do Oriente Médio de carnes segue em expansão, graças ao desenvolvimento econômico dos países da região. Só o desenvolvimento amplia a renda das pessoas e, por consequência, o aumento do consumo de proteína animal. Esse crescimento de consumo não resulta em nenhuma bolsa família asiática ou de qualquer outro tipo de ajuda socioeleitoreira aos mais pobres.
No Brasil, só o desenvolvimento econômico sustentável, fruto do empreendedorismo, trará mais oportunidades de emprego e de maior renda, e contribuirá para a redução da pobreza. Estado e governo não geram riqueza, Quem cria prosperidade são pessoas e empresas, diz o histórico econômico Joel Mokyr. Cabe ao Estado facilitar o crescimento, e não atrapalhar. No campo, agricultores e pecuaristas trabalham, investem em tecnologias, aumentam a produtividade e fazem a sua parte. No resto do Brasil, quem sabe?
Por Evaristo de Miranda, doutor em Ecologia e membro da Academia Nacional de Agricultura da SNA.