Mantas de nanofibras, usadas como embalagens inteligentes são capazes de monitorar a deterioração de filés de peixe em tempo real (Foto: Matheus Falanga/Embrapa)
Imagine abrir a geladeira e, sem precisar sequer tocar no pacote, saber se o peixe ainda está próprio para consumo. Essa é a proposta de uma nova tecnologia desenvolvida por pesquisadores da Embrapa Instrumentação (SP), em parceria com a Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ) e a Universidade de Illinois, em Chicago (EUA).
A equipe criou uma embalagem inteligente que muda de cor à medida que o alimento se deteriora — uma inovação que pode transformar a maneira como consumidores e produtores rurais lidam com a conservação de alimentos perecíveis.
A base da invenção são mantas de nanofibras reforçadas com pigmentos naturais extraídos de resíduos de repolho roxo, ricos em antocianinas, substâncias que reagem a mudanças de pH e, por isso, funcionam como verdadeiros sensores biológicos.
Em testes de laboratório com filés de merluza, a embalagem começou com uma coloração roxa (indicando frescor), passando para tons azulados com o avanço da deterioração, até chegar ao azul acinzentado após 72 horas. Tudo isso sem abrir o pacote.
“As nanofibras demonstraram capacidade de monitorar a deterioração de filés de peixe em tempo real, revelando potencial como materiais de embalagem inteligentes para alimentos”, avalia o pós-doutorando Josemar Gonçalves de Oliveira Filho, um dos autores do estudo.
Técnica nacional, de baixo custo e sustentável

Josemar Gonçalves de Oliveira Filho desenvolveu o processo em seu pós-doutorado. Foto: Matheus Falanga
A embalagem é produzida por meio da técnica de solution blow spinning (SBS), ou fiação por sopro em solução — método criado no Brasil em 2009 por pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba e da própria Embrapa. Diferente da eletrofiação, que demanda altos custos e energia, a SBS permite a produção de nanofibras em apenas duas horas, com baixo consumo energético e em escala industrial.
Além de sustentável, a técnica é acessível para aplicações no agronegócio. A manta usa policaprolactona, um polímero biodegradável com boa resistência mecânica e flexibilidade, ideal para proteger alimentos. O pigmento roxo do repolho, descartado muitas vezes como resíduo nas feiras e mercados, é o segredo do efeito colorimétrico.
“Usar resíduos agroalimentares para produzir embalagens que indicam a deterioração pode reduzir o desperdício e agregar valor a produtos que iriam para o lixo”, destaca o pesquisador Luiz Henrique Capparelli Mattoso, supervisor do estudo.
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O sistema,utiliza pigmentos naturais extraídos do repolho roxo. Foto: Matheus Falanga/Embrapa
A inovação é especialmente promissora para o setor pesqueiro e de aquicultura, onde a perda de alimentos por deterioração é frequente. Por enquanto, a manta foi testada com merluza, mas a equipe pretende ampliar os estudos para outras espécies de peixes e frutos do mar.
A pesquisa foi publicada na revista científica Food Chemistry e contou com apoio da Fapesp, Capes e CNPq, por meio do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Circularidade de Materiais Poliméricos. Segundo os cientistas, o próximo passo é aproximar a tecnologia da cadeia produtiva, da indústria de alimentos aos pequenos produtores.
Com apelo sustentável, produção de baixo custo e aplicação direta na vida do consumidor, a manta inteligente brasileira é exemplo de como a ciência do campo pode chegar à mesa com inovação e propósito.