Tecnologia usa estruturas de bambu que funcionam como microcanais de alta condutividade elétrica, abrindo caminho para o uso da planta em dispositvos eletrônicos e eletroquímicos
Imagine se uma lâmina de bambu pudesse ser transformada em dispositivos elétricos ou eletroquímicos. Instalar microcircuitos integrados capazes de acender luzes, atuar como sensores e aquecer água ou outros líquidos.
O estudo, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e do Departamento de Química do Centro Técnico Científico da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (CTC/PUC-Rio), adicionou uma nova propriedade ao bambu, atingida ao transformar os canais da sua complexa estrutura vegetal arquitetada pela natureza em excelentes condutores elétricos.
Assim, além da sua conhecida resistência mecânica, já aproveitada na construção civil e indústria moveleira, a condutividade elétrica da matriz vegetal trouxe uma nova função a ser explorada em circuitos eletrônicos tridimensionais, aquecedores microfluídicos e sensores integrados em casas inteligentes e sustentáveis.
O desafio tecnológico foi superado pelos pesquisadores Mathias Strauss e Murilo Santhiago do CNPEM e Omar Ginoble Pandoli, do CTC/PUC-Rio, e suas equipes — financiadas pelo Instituto Serrapilheira — usando a estrutura natural do bambu, e acaba de ser publicado como artigo no renomado Journal of Materials Chemistry A, da Royal Society of Chemistry (RSC, http://doi.org/10.1039/C9TA13069A).
Microcanais
Os cientistas observaram que o bambu apresenta uma grande quantidade de microcanais da espessura de um fio de cabelo, perfeitamente alinhados. Foi possível identificar de 40 a 60 destes microcanais a cada um centímetro da parede do colmo do bambu. Esses microcanais constituem o sistema vascular do bambu que permite o transporte de água e nutrientes para toda a planta. Esta rede de microtubos (feixes vasculares) são necessários para a planta crescer rapidamente, em algumas das espécies até um metro por semana.
O uso de sofisticados equipamentos de microscopia eletrônica do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) permitiu mapear com precisão toda a estrutura e abriu possibilidades de usá-las para construir circuitos elétricos e dispositivos eletroquímicos integrados.
Os microcanais do bambu foram revestidos internamente com uma tinta metálica (ilustração ao lado), conhecida pela alta condutividade elétrica, por meio de um processo simples que mantém os canais desobstruídos para a passagem de líquidos e a incorporação de outros nanomateriais.
Após esta modificação, os microcanais passaram a conduzir com eficiência a eletricidade, bem como permite fluir líquidos através dos mesmos, já que permanecem ainda abertos e ocos. Esse arranjo possibilitou, por exemplo, usá-lo como um aquecedor microfluídico perfeitamente integrado à estrutura natural do bambu. Ajustando a corrente elétrica que passa pelo interior do bambu foi possível aquecer a água a mais de 50 °C.
A integração de um material condutor nos feixes vasculares do bambu garantiu também tirar proveito para outras aplicações, como usar os microcanais condutores para construir um sistema integrado de microsensores eletroquímicos e circuitos elétricos dos mais variados tipos.
Vantagens
Entre as principais vantagens de se aproveitar do bambu para construir esses circuitos elétricos é a enorme dificuldade e custo de se usar meios convencionais da indústria para fabricar microestruturas com este arranjo e dessa dimensão micrométrica. O recobrimento metálico é muito fino (10-15 µm), aproximadamente dez vezes menor que o diâmetro dos canais, resultando em um material extremamente leve e condutor.
Outra vantagem importante do uso do bambu é a escalabilidade na produção de produtos tecnológicos e sustentáveis. O bambu se desenvolve com muita rapidez e facilidade nos países tropicais, e, com isso, a maioria das economias em desenvolvimento poderiam explorar com vantagem competitiva esta nova tecnologia nas áreas de energia, materiais inteligentes e educação.