Cerca de quatro bilhões de pneus são produzidos e um bilhão são descartados anualmente no mundo. No Brasil, são produzidos 40 a 50 milhões e descartados 100 milhões de pneus por ano. Saiba qual é o potencial para ampliar a destinação nobre de pneus inservíveis
O descarte inadequado de pneus inservíveis representa um dos maiores desafios ambientais e de saúde pública da atualidade, por não ser um material biodegradável e pelos riscos de contaminação do solo, da água e da atmosfera.
Laerte Scanavaca Júnior, engenheiro florestal e pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, afirma que, embora avanços significativos tenham sido alcançados por meio da logística reversa e da atuação de entidades como a Reciclanip, ainda existem entraves técnicos e econômicos a serem superados.
Ele destaca que a reciclagem de pneus possui alto potencial de expansão no Brasil, desde que articulada a políticas públicas mais rigorosas e ao desenvolvimento de novas tecnologias de reaproveitamento.
Segundo o pesquisador, são produzidos no mundo, anualmente, cerca três a quatro bilhões de pneus e descartados 800 a 100 milhões. No Brasil, são produzidos entre 40 a 50 milhões e descartados 100 milhões de pneus por ano (Reciclanip, 2025).

O Brasil foi um dos primeiros países a estabelecer normas específicas para pneus inservíveis Foto divulgação
Resíduo de difícil manejo
O especialista complementa que o aumento da frota de veículos automotores tem levado ao crescimento exponencial da geração de pneus inservíveis. “Estima-se que um pneu possa levar até 600 anos para se decompor no ambiente, tornando-se um resíduo de difícil manejo. Quando descartados de forma inadequada, os pneus podem acumular água, favorecendo a proliferação de vetores de doenças como dengue, zika e chikungunya. Além disso, a queima irregular libera gases tóxicos e metais pesados, comprometendo o ar e a saúde pública”, reforça.
O engenheiro florestal explica que a composição química dos pneus é basicamente composta por substâncias tóxicas que podem contaminar as águas subterrâneas.
Ele completa que o pneu é um produto bastante complexo, feito a partir da combinação de borracha natural (20 a 30%, dá elasticidade, resistência mecânica e capacidade de suportar cargas), borracha sintética (25 a 30%, que garante maior resistência e abrasão, estabilidade térmica e durabilidade), negro de fumo (25 a 30%, reforço da borracha, que aumenta a resistência ao desgaste e dá a cor preta característica), aço (10 a 15%, presente nas cintas e talões, garantindo a resistência estrutural e forma do pneu), têxteis como poliéster, nylon, rayon e aramida (3 a 8%, reforços que dão flexibilidade e resistência), além de óleos, resinas, enxofre, antioxidantes, sílica e aditivos diversos (5 a 10%, usados no processo de vulcanização para melhorar o desempenho, como aderência, durabilidade, eficiência energética).
A composição, segundo informa o especialista, varia conforme o tipo de pneu, ou seja, para carro de passeio, caminhão, avião etc.
Nesse cenário, na avaliação do pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, a reciclagem de pneus surge como estratégia central dentro da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei nº 12.305/2010, que estabelece a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos.

O descarte anual de pneus velhos no Brasil é da ordem de dezenas de milhões de unidades por ano Foto Divulgação
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Descarte de pneus
Scanavaca Júnior revela que, de acordo com a Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (ANIP), o Brasil vende mais de 53,8 milhões de pneus por ano (mercado de reposição + equipamentos originais).
Em 2020, foram coletadas e destinadas corretamente mais de 380 mil toneladas de pneus inservíveis, o que corresponde a cerca de 42,2 milhões de unidades de pneus de carro de passeio. “Assim, estima-se que o descarte anual de pneus velhos no Brasil seja da ordem de dezenas de milhões de unidades por ano; algo em torno de 40-50 milhões de pneus, considerando veículos de passeio e pesados, quando se fala de descarte (destinação ambientalmente correta), ou seja, mais de 60% descartados incorretamente. No mundo são produzidos de 1,5 a 2,5 bilhões de unidades anualmente, o que corresponde a 19,25 milhões de toneladas anuais. O descarte é estimado em 1,5 bilhões de pneus (cerca de 60% da produção anual)”, ressalta o engenheiro florestal.
Ele enfatiza que o Brasil foi um dos primeiros países a estabelecer normas específicas para pneus inservíveis. A Resolução Conama nº 258/1999 atribuiu a fabricantes e importadores a responsabilidade pela destinação final ambientalmente adequada. Posteriormente, a Resolução Conama nº 416/2009 ampliou as exigências, obrigando a coleta e destinação de 100% dos pneus comercializados (Conama, 2009).

É preciso educar a população sobre os impactos para a saúde pública e o meio ambiente do descarte inadequado de pneus Foto Divulgação
Logística reversa
Em complemento, Scanavaca Júnior destaca que a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS) reforçou o princípio da logística reversa, obrigando fabricantes, comerciantes e distribuidores a participarem ativamente do recolhimento e destinação desses resíduos.
A partir dessas diretrizes, surgiu a Reciclanip, entidade criada em 2007 pelas principais fabricantes de pneus, responsável por articular a coleta em ecopontos. “Em 2019, a Reciclanip já havia recolhido mais de 470 mil toneladas de pneus inservíveis”, revela o especialista.
Na avaliação do pesquisador da Embrapa Meio Ambiente, apesar dos avanços, os pontos de coleta ainda são insuficientes frente à dimensão territorial e ao crescimento da frota nacional.

O asfalto-borracha é uma alternativa de alto impacto positivo conferindo maior durabilidade aos pavimentos Foto DER/MG/Divulgação
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Processos mecânicos
Ele destaca que a reciclagem de pneus pode ser classificada em três grandes grupos. O primeiro deles são os processos mecânicos, que incluem a trituração, laminação e moagem para obtenção de pó de borracha. “O material pode ser incorporado em asfalto-borracha, artefatos de borracha, solados de calçados e materiais de construção”, orienta.
Processos energéticos
Quanto aos processos energéticos, de acordo com o engenheiro florestal, o coprocessamento em fornos de cimento é um dos destinos mais comuns, utilizando a borracha como combustível alternativo [8,3 a 8,5 KWh (1KWh = 3,6 MJ)].
A pirólise também se destaca nesse processo, permitindo a recuperação de óleos, gás combustível e negro de fumo, embora ainda apresente desafios de viabilidade econômica.
“A recapagem, recauchutagem e remoldagem permitem ampliar a durabilidade dos pneus antes de se tornarem inservíveis. Esses métodos reduzem custos, economizam energia e retardam a necessidade de destinação final”, explica o cientista.
Ele avalia que uma recauchutagem para caminhões/ônibus costuma sair por cerca de 30% do valor de um pneu novo. Já para veículo leves, o valor de recapagem é de 20 a 25% do valor de um pneu novo, dependendo da marca, região etc. O especialista frisa que a recapagem é até 40% mais barata que um pneu novo equivalente.
Segundo a Associação Brasileira do Segmento de Reforma de Pneus (ABRP), um pneu novo normalmente tem vida útil de 50-60 mil km, enquanto um recauchutado dura aproximadamente 25-30 mil km nas mesmas condições. “Há estimativas mais otimistas: se o pneu recauchutado for de alta qualidade, bem mantido, usando carcaça boa, a vida útil pode atingir cerca de 75% da vida de um novo”, afirma o especialista.
- A incorporação de pó de pneu em compostos de borracha para a produção de solados de calçados tem demonstrado ganhos de competitividade econômica e redução de custos Fotos Divulgação
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Aplicações tecnológicas
As aplicações tecnológicas são o terceiro grande grupo de reciclagem de pneus. Neste grupo, estão inseridos setores como a construção civil, a indústria calçadista, pavimentação e geotécnica.
Scanavaca Júnior sublinha que a construção civil é um dos setores que mais se beneficia da reciclagem de pneus. “Estudos demonstram a viabilidade de utilizar resíduos de borracha em concretos e argamassas, resultando em melhor isolamento térmico e acústico, além de redução da densidade”, revela.
Segundo ele, outras pesquisas comprovam a aplicação em tijolos de concreto, com resistência à compressão adequada às normas da ABNT.
Já a indústria calçadista, de acordo com informação do especialista, incorpora o pó de pneu em compostos de borracha para a produção de solados. “Isso tem demonstrado ganhos de competitividade econômica e redução de custos, ainda que com pequenas perdas de propriedades físicas”, afirma.
O engenheiro florestal detalha também que, na pavimentação de ruas e estradas e no uso em obras geotécnicas, o asfalto-borracha e representa alternativa de alto impacto positivo, conferindo maior durabilidade aos pavimentos e reduzindo a necessidade de extração de agregados naturais.
Desafios e Perspectivas Futuras
Apesar do avanço das tecnologias, o pesquisador da Embrapa destaca que alguns entraves ainda dificultam a expansão da reciclagem de pneus no Brasil, entre ele o custo elevado dos processos de pirólise e regeneração da borracha.
O especialista cita ainda a baixa capilaridade dos ecopontos e limitações logísticas com dificuldades a serem sanadas.
Desafios técnicos relacionados à perda de propriedades mecânicas quando a borracha substitui agregados no concreto, também é citado pelo pesquisador como entrave para o crescimento da reciclagem de pneus no País.
No entanto, ele avalia que as tendências globais apontam para o fortalecimento da economia circular e o estímulo à inovação tecnológica, como a busca por novos ligantes e compósitos que incorporem resíduos de pneus.

Tijolos de pneus inservíveis Foto Sebare PR/Divulgação
Ações para melhorar a reciclagem de pneus
O cientista da Embrapa Meio Ambiente defende que governo precisa adotar as iniciativas necessárias para a melhoria da reciclagem ou diminuição dos descartes incorretos dos pneus inservíveis. “Antes da política de reciclagem (Resolução Conama 416/09) o Brasil reciclava somente 10% dos pneus, hoje está por volta de 35%, mas podemos melhorar esse percentual.
Scanavaca Júnior sugere ações que acredita sejam eficazes para incrementar a reciclagem de pneus velhos. Uma delas é a expansão da cobertura da logística reversa. “Embora a logística reversa esteja presente em diversos municípios, é importante garantir que todos os municípios, especialmente os de menor porte, tenham acesso a pontos de coleta e destinação adequada dos pneus inservíveis”, acredita.
O incentivo à reciclagem local é outro aspecto que deveria ser trabalhado. Ele sugere que sejam estabelecidas parcerias com prefeituras para disponibilizar áreas de armazenamento temporário e promover campanhas de conscientização sobre a importância da destinação correta dos pneus.
Outro ponto sugerido pelo especialista é relacionado ao fortalecimento da fiscalização. ”É muito importante que seja aumentada a fiscalização sobre a destinação final dos pneus inservíveis, garantindo que as empresas cumpram as obrigações estabelecidas pela legislação e evitando o descarte inadequado”, enfatiza.
Segundo o engenheiro florestal, também é fundamental a promoção de tecnologias sustentáveis, ou seja, é preciso incentivar o desenvolvimento e a adoção de tecnologias que permitam o reaproveitamento dos pneus inservíveis em diferentes setores, como construção civil, pavimentação e geração de energia, contribuindo para a economia circular.
Finalmente, Scanavaca Júnior cita a relevância da educação ambiental para o avanço da adoção da reciclagem de pneus.
Para ele, é muito importante que sejam implementados programas de educação ambiental nas escolas e comunidades, destacando os impactos do descarte inadequado de pneus e a importância da reciclagem para a saúde pública e o meio ambiente.

Quando descartados de forma inadequada, os pneus podem acumular água, favorecendo a proliferação de vetores de doenças como dengue, zika e chikungunya Foto Divulgação
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Oportunidade econômica e tecnológica
O especialista reforça que a reciclagem de pneus inservíveis constitui não apenas uma alternativa ambientalmente necessária, mas também uma oportunidade econômica e tecnológica. “O Brasil avançou em termos legais e estruturais, especialmente com a logística reversa, mas ainda carece de políticas de incentivo à inovação e à ampliação da rede de coleta”, avalia.
“Os resultados mostram que há um vasto potencial para ampliar a destinação nobre de pneus inservíveis, em especial na construção civil, na pavimentação e na indústria calçadista. A integração entre governo, setor produtivo e instituições de pesquisa é fundamental para superar os desafios existentes e promover soluções sustentáveis”, conclui Scanavaca Júnior.