Em anos de maior precipitação, bioma nordestino respondeu por quase metade da remoção do Brasil de elemento causador das mudanças climáticas, identificam pesquisadores da Unesp (Foto:Sudene/Divulgação)
A liberação de gases do efeito estufa por atividades humanas é o principal causador das mudanças climáticas. Gases como o dióxido de carbono (CO2), o metano (CH4) ou o óxido nitroso (N2O), por exemplo, têm a capacidade de reter calor na atmosfera provocando seu aquecimento e alterando os padrões climáticos do planeta.
Quantificar e entender as origens dessas emissões é, portanto, etapa fundamental para orientar o desenvolvimento de políticas públicas e de ações que busquem reduzir esses lançamentos e mitigar seus efeitos sobre o clima global.
Nos últimos anos, nações, setores econômicos e organizações têm elaborado inventários para documentar o volume e o perfil de atividades produtivas responsáveis por esses lançamentos com o objetivo de minimizá-las e compensar esse impacto.
De forma geral, a quantidade de gases emitidos na atmosfera é um balanço formado pelo volume emitido das atividades subtraindo-se a carbono que é recuperado, por exemplo, por atividades naturais, como a fotossíntese das plantas.
Um artigo produzido por pesquisadores da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) da Unesp, no câmpus de Jaboticabal, investigou o impacto da remoção de carbono no inventário de gases de efeito estufa brasileiro e apontou o papel central da Caatinga nesse processo.
Segundo o estudo, em alguns anos o bioma nordestino, apesar de ocupar aproximadamente 10% do território nacional, respondeu por quase 50% de toda a captura de carbono realizada no país.
A análise conduzida pelo pesquisador Luís Miguel da Costa, ao lado do professor Newton La Scala Jr. mostra que a Caatinga supera outros biomas mais celebrados por seus serviços ambientais, como a Amazônia e o Cerrado – ao menos no período entre 2015 e 2022, intervalo temporal investigado pela equipe de pesquisa.
O trabalho foi publicado na revista Science of the Total Environment.
Rebrota rápida das plantas faz do bioma um sumidouro expressivo de carbono

Extensão da Caatinga no território nacional. Imagem: Agência Senado
A pesquisa comparou dados de duas das principais fontes de informação sobre emissões e remoções de gases de efeito estufa disponíveis para o Brasil hoje: o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG), coordenado por instituições brasileiras, como o Observatório do Clima, e o Climate TRACE, consórcio internacional que utiliza imagens de satélite e inteligência artificial para monitorar, em tempo quase real, as emissões em todo o planeta.
Além de se debruçar sobre os biomas brasileiros, o estudo também contemplou a análise de dados de satélite sobre precipitação e fluorescência da clorofila (SIF, na sigla em inglês).
A fluorescência da clorofila é um indicador direto da atividade fotossintética da vegetação, ou seja, quanto mais intenso é o SIF, maior é o sequestro de carbono atmosférico pelas plantas.
Segundo os autores do estudo, o que ocorre na Caatinga é que o aumento da disponibilidade hídrica em épocas de chuvas abundantes se reflete em uma resposta bastante positiva do processo fotossintético.
“Havíamos feito um estudo específico sobre o SFI para todos os seis biomas brasileiros antes. Na Amazônia, por exemplo, constatamos que existe praticamente um platô, um nível máximo. Porém, quando analisamos as atividades fotossíntéticas em relação à precipitação, na Caatinga, observamos um crescimento muito grande do SIF naqueles anos em que a chuva supera os padrões do bioma”, explica o pesquisador.
Nos dados apresentados agora, diz Scala Jr., a Amazônia permanece como um imenso reservatório de carbono, cuja preservação é fundamental.
Já a Caatinga chamou a atenção dos pesquisadores ao evidenciar uma expressiva capacidade de capturar carbono, relacionada à capacidade de sua vegetação para responder de forma positiva a determinados fatores ambientais, como a precipitação.
“São características diferentes, mas igualmente importantes”, afirma o docente do câmpus de Jaboticabal.
A rebrota rápida das plantas é um atributo peculiar que faz com que o bioma funcione como um sumidouro expressivo de carbono, mesmo em períodos relativamente curtos de melhoria climática.
A vegetação seca, que predomina em grande parte do ano, entra em um ciclo de crescimento acelerado assim que as chuvas chegam, sequestrando grandes quantidades de CO₂ da atmosfera, cerca de 40% das remoções do país, mostram estudos já realizados na região.
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Desmatamento é o vilão das emissões brasileiras
Como explicam os autores do artigo, as emissões brasileiras estão totalmente associadas às mudanças no uso e na ocupação da terra. A agricultura surge como o segundo setor que mais emite, seguida pelo setor de Energia.
Segundo os dados oficiais do próprio SEEG, as emissões brutas brasileiras de GEE em 2023 totalizaram aproximadamente 2,3 bilhões de toneladas de CO₂ equivalente (ou 2,3 GtCO₂e), o que representa uma redução de cerca de 12% em relação ao ano anterior, quando o total foi de 2,6 GtCO₂e [ver imagem abaixo].
O termo “equivalente”, neste caso, é usado quando o cálculo se refere a todos os gases que causam o efeito estufa, em termos equivalentes ao CO₂.
Recentemente, dados oficiais divulgados pelo sistema DETER, ferramenta do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe) que monitora alterações na cobertura florestal do país, indicaram uma redução de 33% no desmatamento no primeiro semestre de 2023, em comparação com 2022, e um aumento de 21% no Cerrado no mesmo período.
A maior parte do desmatamento no bioma ocorre no arco do desmatamento, próximo à Amazônia, e também na região chamada Matopiba (porção norte do bioma que abrange os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
As emissões líquidas de uso da terra e florestas, ou seja, o balanço do desmatamento, chegaram a registrar cerca de 1,8 GtCO₂e na década de 1990. No entanto, devido ao fortalecimento da fiscalização ambiental, esse balanço de emissões caíu para aproximadamente 0,2 GtCO₂e em 2012.
Após aquele ano, as emissões voltaram a subir, colocando o Brasil, na melhor das hipóteses, como o último entre os dez maiores emissores mundiais nessa rubrica. As queimadas e derrubadas crescentes em áreas tanto da Amazônia quanto do Cerrado têm ajudado a turbinar esses números.