A expectativa de especialistas é que a metodologia se torne referência prática no Brasil, ajudando produtores a medir seus avanços, empresas a estruturar cadeias sustentáveis e governos a formular políticas de incentivo. (Foto: Gabriel Faria/Embrapa).
Uma iniciativa inédita reúne pesquisadores do Brasil e do exterior para propor um protocolo que promete transformar a forma como a sustentabilidade agrícola é medida. O Padrão de Agricultura Regenerativa Sustentável (PARS) estabelece 124 indicadores para avaliar práticas de campo e orientar políticas públicas, certificações e mecanismos de pagamento por serviços socioambientais.
O modelo considera seis dimensões — ambiental, socioeconômica, governança, agropecuária, biodiversidade e cultural — e busca impulsionar a transição para sistemas regenerativos, que unem produção de alimentos, renda no campo e conservação ambiental.
Agricultura em transição
A crise climática global, marcada pela perda de biodiversidade, poluição e aumento das emissões de gases de efeito estufa, pressiona mudanças urgentes nos sistemas produtivos.
No Brasil, o setor agroalimentar ainda depende fortemente de insumos químicos externos, pouco adaptados às condições locais e prejudiciais à vida do solo.
Como resposta, o PARS propõe indicadores técnicos que funcionam como guias para a adoção de práticas regenerativas.
“Os indicadores do PARS funcionam como ‘termômetros’ capazes de medir qualidade, quantidade e evolução de processos agrícolas no tempo e no espaço. Um bom indicador, segundo os pesquisadores, deve ser representativo, de fácil medição, preciso e acessível”, explica João Mangabeira, pesquisador da Embrapa Territorial.
O protocolo adota uma escala decimal de 0 a 10, indo de “não conformidade” (0 a 2) até o nível “especialista” (8,1 a 10), no qual os sistemas atingem alto grau de regeneração, com emissão líquida zero ou até sequestro positivo de carbono.
Práticas de captura e redução de emissões
Para lidar com parâmetros de difícil mensuração, como estoques de carbono no solo e biodiversidade, o PARS também utiliza proxies — indicadores indiretos de baixo custo e confiabilidade reconhecida.
Entre as práticas avaliadas estão o intemperismo acelerado de rochas, que aplica pó de basalto ou silicatos ao solo para fixar carbono, e o biochar, biocarvão produzido de resíduos agrícolas que pode reter até 50% do carbono da biomassa original por mais de mil anos.
“Estudos indicam que, no Brasil, a adoção de biochar poderia capturar entre 40 e 110 milhões de toneladas de CO₂ equivalente por ano, além de reduzir o uso de fertilizantes sintéticos e recuperar áreas degradadas”, destaca Lauro Pereira, pesquisador da Embrapa Meio Ambiente.
Lucas Lima, pesquisador da Unicamp, acrescenta que a substituição de químicos por biofertilizantes e biodefensivos pode cortar em até 50% o uso de fertilizantes sintéticos e em 70% a aplicação de defensivos químicos, reduzindo emissões de óxido nitroso, gás de efeito estufa quase 300 vezes mais potente que o CO₂.
Também os sistemas biodiversos — como agroflorestais, silvipastoris e Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) — mostram forte potencial de captura. Raimundo Maciel, professor da Universidade Federal do Acre (UFAC), cita pesquisas da Embrapa segundo as quais eucaliptos em sistemas integrados acumularam, em média, 65 toneladas de carbono por hectare em oito anos.
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Governança e cultura
O protocolo vai além da dimensão ambiental. Aspectos de governança, cultura e inclusão social também entram na avaliação. Critérios como equidade, rastreabilidade, certificações, participação comunitária e igualdade de gênero são considerados fundamentais para a sustentabilidade.
Já a dimensão cultural valoriza tradições agrícolas e o conhecimento transmitido entre gerações, reforçando a identidade local e contribuindo para a permanência de jovens no campo.