As amêndoas dos cocos da macaúba, planta nativa do cerrado brasileiro, são revestidas por uma polpa que pode de gerar grandes quantidades de óleo utilizado na indústria de biocombustíveis sustentáveis para aviação (Foto: Leandro Lobo/Embrapa)
.A aposta da Acelen Renováveis na produção de combustível sustentável de aviação (SAF) a partir do óleo de macaúba coloca uma planta nativa brasileira no centro da agenda global de descarbonização do transporte aéreo.
Controlada pelo fundo Mubadala Capital, a empresa busca integrar restauração ambiental, inovação tecnológica e produção em larga escala. O projeto da macaúba pretende transformar uma planta nativa do Cerrado em vetor estratégico para a descarbonização da aviação internacional e para a inserção do Brasil nas cadeias globais de combustíveis sustentáveis.
O projeto prevê o cultivo de 180 mil hectares da palmeira em áreas degradadas da Bahia e do norte de Minas Gerais, convertendo antigas pastagens de baixa produtividade em florestas energéticas capazes de sustentar a produção anual de cerca de 1 bilhão de litros de SAF e diesel renovável (HVO).
A substituição dos combustíveis fósseis por esses biocombustíveis pode reduzir em até 80% as emissões de CO₂, além de capturar dezenas de milhões de toneladas de carbono ao longo da vida útil do empreendimento.
O plano de investimentos prevê mais de R$ 12 bilhões ao longo de dez anos, com expectativa de movimentar R$ 85 bilhões na economia brasileira até 2035 e gerar cerca de 90 mil empregos diretos e indiretos, a maior parte de forma permanente.
A capacidade industrial projetada é de 20 mil barris por dia, o equivalente a cerca de 1 bilhão de litros por ano, posicionando a empresa entre as maiores produtoras globais de combustíveis renováveis. A produção inicial será voltada ao mercado externo, onde o SAF e o HVO já contam com marcos regulatórios consolidados.
A macaúba (Acrocomia aculeata), também chamada popularmente como coco-baboso, coco-de-espinho ou macajuba, é uma palmeira nativa brasileira da família botânica Palmae e pode ser encontrada em quase todas as regiões do território brasileiro.
A palmeira é arborescente, espinhosa, tem mais de 15m de altura e se adapta facilmente ao clima e a diversos tipos de solo. É uma planta perene que dura até cem anos e necessita de pouca água para sua sobrevivência.
As amêndoas dos cocos são revestidas por uma polpa que tem a capacidade de gerar grandes quantidades de óleo que pode ser incorporado ao processo produtivo da indústria de biocombustíveis.

A macaúba é uma planta perene, nativa do cerrado brasileiro. Foto: Zineb Benchekchou /Embrapa
Do ponto de vista agrícola, a escolha da macaúba se baseia em sua alta densidade energética, elevada produtividade potencial de óleo por hectare e grande capacidade de sequestro de carbono.
Para Victor Barra, diretor de Agronegócios da Acelen Renováveis, o cultivo em áreas semiáridas e degradadas é um dos pilares do projeto.
Ele afirma que a estratégia é viabilizar um sistema agrícola extremamente eficiente, “para não se tomar áreas de produção de alimentos”, ao mesmo tempo em que se constrói uma cadeia agroindustrial competitiva em custos e com baixa pegada de carbono. A estimativa é que os maciços de macaúba removam cerca de 60 milhões de toneladas de CO₂ da atmosfera por ano.
Barra destaca que, do ponto de vista agronômico, o desafio central é elevar a produtividade de frutos e óleo por hectare.
“O que observamos na natureza é que a planta possui um primórdio floral para cada folha que ela emite e, em média, lança 15 folhas por ano. Ao menos doze delas deveriam virar cachos de frutos a serem colhidos. Mas o normal é vermos palmeiras com apenas 3 ou 4 cachos. Temos que entender muito bem a fisiologia da macaúba, para destravar esses bloqueios e viabilizar a alta produção de frutos e, consequentemente, de óleo por hectare que o projeto requer”, afirma.
Ainda assim, ele pondera que os desafios agronômicos tendem a ser superados com o apoio da pesquisa pública e da equipe técnica da empresa.

Pesquisas com óleo de macaúba na Embrapa Agroenergia. Foto: Vivian Chies/Embrapa
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Parceria com a Embrapa
A iniciativa se ancora em um amplo esforço de pesquisa, desenvolvimento e inovação conduzido em parceria com a Embrapa, a Embrapii e o BNDES.
Os acordos de cooperação técnica, com duração de cinco anos e investimentos de R$ 13,7 milhões, envolvem a Embrapa Agroenergia e outras quatro unidades da empresa pública de pesquisa, com foco na domesticação da macaúba, no melhoramento genético, na definição de sistemas produtivos e no desenvolvimento de processos industriais mais eficientes para extração de óleos de alta qualidade.
Segundo Alexandre Alonso, chefe-geral da Embrapa Agroenergia, o projeto responde a uma tendência estrutural do mercado energético global.
“O país tem a oportunidade de se tornar produtor e fornecedor de combustível sustentável de aviação (SAF) e diesel verde (HVO) globalmente. Para isso são necessários investimentos em P&D tanto em matéria-prima (como o caso da macaúba), quanto em novos bioprocessos, além de modelagem”, afirma.
A demanda por biocombustíveis avançados deve crescer de forma exponencial nos próximos anos, impulsionada por metas climáticas mais rígidas e por exigências regulatórias internacionais, especialmente no setor aéreo.
A pesquisadora Simone Favaro, da Embrapa Agroenergia, responsável pela coordenação científica do projeto, explica que o Brasil abriga naturalmente três espécies de macaúba, sendo duas prioritárias para a iniciativa por já estarem adaptadas às regiões da Bahia e do norte mineiro.
Avanços recentes incluem a superação da baixa taxa de germinação das sementes, que saltou de cerca de 5% para até 95% após o desenvolvimento de protocolos específicos, além da aprovação do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), que amplia o acesso ao crédito rural e ao seguro agrícola.
Ainda assim, ela ressalta desafios como a obtenção de materiais genéticos homogêneos de alta produtividade e o desenvolvimento de sistemas de produção adequados às condições semiáridas.

Mudas de macaúba no Centro de Tecnologia e Inovação Agroindustrial da Acelen Agripark, em Montes Claros (MG)/ Foto: Ricardo Botelho/Ministério de Minas e Energia
No elo industrial, o projeto busca ir além da produção de combustíveis. Favaro lembra que o óleo representa apenas entre 10% e 20% do potencial da macaúba.
Os demais componentes do fruto podem originar coprodutos de alto valor agregado, como tortas para alimentação humana e animal, biocarvão, carvão ativado, biochar para melhoria de solos e captura de carbono, além de insumos para as indústrias química, cosmética e de alimentos.
A integração desses fluxos é considerada crucial para garantir viabilidade econômica, certificações internacionais e competitividade no mercado externo.
Parte central dessa estratégia é o Acelen Agripark, inaugurado em Montes Claros (MG), considerado o maior centro de desenvolvimento tecnológico dedicado à macaúba no mundo.
Com 59 hectares, o complexo terá capacidade para germinar 1,7 milhão de sementes por mês e produzir até 10,5 milhões de mudas por ano, além de abrigar pesquisas em clonagem, melhoramento genético e agricultura de precisão.
“Com o Acelen Agripark, inauguramos o maior centro mundial dedicado à macaúba, transformando essa planta em solução energética escalável. O Brasil pode, e deve, assumir o protagonismo na transição energética, e a Acelen Renováveis reafirma hoje sua contribuição para esse futuro sustentável”, afirmou o CEO da companhia, Luiz de Mendonça.
Fontes: Acelen e Embrapa








