Dinâmica evolutiva desafia a produção agrícola e reforça importância do manejo integrado (Foto: Pixabay)
A resistência de plantas daninhas a herbicidas é, atualmente, uma das principais preocupações da agricultura mundial. No Brasil, o tema tem despertado cada vez mais a atenção de pesquisadores, consultores, instituições como HRAC-BR (Comitê de Ação à Resistência a Herbicidas no Brasil), universidades e redes técnicas independentes, que intensificaram estudos e monitoramentos. O motivo é claro: o avanço de biótipos resistentes compromete o controle químico, eleva os custos operacionais e ameaça o potencial produtivo de culturas essenciais, como soja, milho e algodão.
Segundo dados da Embrapa, a presença de plantas daninhas pode reduzir a produtividade da soja em até 80%, dependendo da espécie, do nível de infestação e do estágio em que ocorre a competição. Em muitos casos, a resistência é o ponto central desse desafio.
A resistência já está presente antes da aplicação. O herbicida apenas seleciona os indivíduos que sobrevivem. Ao contrário do senso comum, o herbicida não “induz” a resistência. A explicação é evolutiva. Populações de plantas daninhas possuem alta variabilidade genética. Entre milhares de indivíduos, alguns já carregam mutações que os tornam menos sensíveis a determinado mecanismo de ação.
“Quando o herbicida é aplicado, ele elimina os indivíduos suscetíveis, mas aqueles que possuem variantes genéticas naturalmente tolerantes sobrevivem e se reproduzem”, explica o engenheiro agrônomo, Michel William Daniel. “Com a repetição contínua desse processo, a população muda. Os resistentes passam a representar uma parcela maior da área, e isso reduz a eficácia dos manejos tradicionais”, acrescenta.

Segundo dados da Embrapa, a presença de plantas daninhas pode reduzir a produtividade da soja em até 80%, dependendo da espécie, do nível de infestação e do estágio em que ocorre a competição. Foto: Divulgação Ourofino
O fenômeno é semelhante ao que ocorre com antibióticos e bactérias ou inseticidas e pragas: uma dinâmica evolutiva impulsionada pela pressão de seleção Esse processo é acelerado por diversos fatores, como o uso contínuo do mesmo mecanismo de ação, especialmente em pré e pós-emergência; a semeadura direta, que altera a dinâmica de germinação de espécies problemáticas; a alta pressão de infestação em sistemas intensivos, como o de soja-milho; e o clima tropical, com temperaturas elevadas e múltiplos fluxos de emergência ao longo da safra.
Hoje, o Brasil já registra resistência de plantas daninhas como Buva (Conyza bonariensis, C. canadensis e C. sumatrensis), Capim-amargoso (Digitaria insularis), Caruru (Amaranthus spp., incluindo A. palmeri, A. hybridus e A. viridis), Azevém (Lolium multiflorum), Capim-pé-de-galinha (Eleusine indica), Leiteiro (Euphorbia heterophylla) e Picão-preto (Bidens subalternans) a diferentes mecanismos de ação, o que exige abordagens mais completas e estratégias ajustadas para cada região.
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O papel do manejo integrado e a importância da qualidade das moléculas
Diante desse cenário, o especialista reforça que o manejo não pode depender de um único herbicida ou de repetições idênticas safra após safra. As recomendações incluem rotacionar mecanismos de ação; combinar pré e pós-emergentes; integrar controle químico, cultural e mecânico; monitorar escapes e biótipos suspeitos e utilizar tecnologias mais modernas e adaptadas às condições tropicais.

Atualmente, o manejo das lavouras não pode depender de um único herbicida ou de repetições idênticas safra após safra. Foto: Pixabay
“É nesse ponto que as empresas de pesquisa e desenvolvimento têm papel decisivo. O foco é justamente tropicalizar moléculas, pensando em aderência, fotoproteção, transposição de palha e performance sob condições climáticas extremas”, comenta o engenheiro agrônomo. Segundo ele, os herbicidas fazem parte dessa estratégia, oferecendo alternativas eficazes dentro de programas de manejo que priorizam desempenho e sustentabilidade no agro brasileiro.
Ciência aplicada ao campo: por que os estudos sobre resistência cresceram
A expansão das áreas agrícolas, os modelos intensivos de produção e o aumento dos casos confirmados de resistência criaram um ambiente em que o monitoramento se tornou indispensável. Nos últimos anos, esse acompanhamento sistemático, realizado por instituições como Embrapa, HRAC-BR e universidades, permitiu identificar precocemente novos biótipos resistentes, mapear sua distribuição pelo país e demonstrar que a resistência pode evoluir mais rapidamente do que se imaginava em sistemas altamente pressionados. Esses dados também têm ajudado produtores e consultores a ajustarem doses, posicionar mecanismos de ação com maior precisão e validar combinações mais eficientes entre pré e pós-emergentes.

A expansão das áreas agrícolas, os modelos intensivos de produção e o aumento dos casos confirmados de resistência criaram um ambiente em que o monitoramento se tornou indispensável. Foto: Pixabay
Ainda assim, o agrônomo ressalta que há muito a avançar: novos casos continuam surgindo, a velocidade de seleção aumenta em ciclos intensos e muitos biótipos suspeitos seguem sem confirmação laboratorial por falta de estrutura e amostragem em algumas regiões do país: “O consenso técnico é claro: o monitoramento trouxe respostas fundamentais, mas sua continuidade é essencial para evitar que a resistência ultrapasse nossa capacidade de controle. O produtor de hoje busca previsibilidade. E isso só é possível com ciência, diagnóstico preciso e manejo bem estruturado”, conclui.








