Empresa ajuda a monitorar os riscos de ESG na cadeia de suprimentos (Foto: Divulgação)
A gestão de questões ambientais, sociais e de governança (ESG) na cadeia de fornecedores é cada vez mais importante para as empresas, pois é uma forma de garantir que seus fornecedores estejam alinhados com suas próprias políticas e objetivos de sustentabilidade.
Diante desse cenário, a incorporação da gestão ESG na cadeia de fornecedores pode ajudar as empresas a mitigar riscos operacionais, melhorar sua reputação e atender às expectativas crescentes dos investidores e consumidores.
Foi com esse propósito que surgiu a ESGscan, startup integrante do SNASH, ecossistema de inovação apoiado pela Sociedade Nacional de Agricultura, que a partir de uma base de dados que escaneia e monitora os riscos ESG da cadeia de suprimentos, ajuda empresários a identificar e resolver problemas na raiz, evitando crises ainda maiores.
Para falar um pouco mais sobre as ações desenvolvidas pela empresa, a Revista A Lavoura entrevistou o advogado, programador, mestre em Sustentabilidade Socioeconômica Ambiental pela Universidade Federal de Ouro Preto, CEO e Co-fundador da ESGscan, Junio Magela. Confira:
A Lavoura: Como surgiu a ideia de criar a empresa?
Junio Magela: A ESGscan nasceu de uma inquietação: por que a transparência nas cadeias de valor ainda é um privilégio de poucos? Eu e meus sócios fundadores — Fabiano Alves, arquiteto de soluções na nuvem, e Pedro Esteves, advogado, programador e biólogo — compartilhávamos a mesma visão: usar a tecnologia como ponte entre a sustentabilidade e a eficiência operacional. O que nos torna únicos é que todos os três fundadores somos programadores. Não terceirizamos a tecnologia — nós “somos” a tecnologia. Essa característica fez toda a diferença na nossa jornada. Começamos querendo resolver os gargalos do compliance ambiental, mas logo percebemos que tínhamos em mãos algo muito maior: a possibilidade de iluminar toda a tríade ESG — ambiental, social e de governança — através de dados públicos brasileiros. Transformamos minhas experiências pessoais de 20 anos em due diligences corporativas em um algoritmo inteligente. O resultado? Uma plataforma que funciona como um radar de riscos, permitindo que empresas naveguem pelo universo do compliance de outras empresas e pessoas em tempo real. Criamos, essencialmente, um GPS para quem precisa tomar decisões baseadas em sustentabilidade.
A Lavoura: Quais os principais objetivos da startup?
Junio Magela: Nossa missão é audaciosa e clara: democratizar a inteligência ESG no Brasil. Acreditamos que sustentabilidade não pode ser um artigo de luxo disponível apenas para multinacionais com orçamentos milionários. Todo produtor rural, toda pequena empresa, toda instituição financeira merece acesso às mesmas ferramentas de ponta que os gigantes do mercado utilizam.
Desenvolvemos um relatório de riscos totalmente automatizado que dialoga com os principais frameworks ESG globais. Imagine ter, em segundos, uma radiografia completa dos riscos ambientais, sociais e de governança de uma operação que levaria semanas para ser analisada manualmente. Isso não é ficção científica — é o que entregamos hoje.
Nosso objetivo final? Transformar os dados públicos brasileiros — que muitos veem como burocracia — em nosso maior ativo competitivo no mercado global. Queremos que o mundo reconheça o Brasil não apenas por suas commodities, mas pela transparência e rastreabilidade de suas cadeias produtivas.

Os sócios da ESGscan, Pedro Esteves (COO), Junio Magela (CEO) e Fabiano Alves (CTO)
A Lavoura: Como as soluções da empresa impactam na sociedade?
Junio Magela: Nosso impacto está em resolver um dos maiores paradoxos do agronegócio brasileiro: produtores que fazem tudo certo, mas não conseguem provar. Isso não é justo — e é isso que mudamos.
Recentemente, desenvolvemos no âmbito de uma aceleração do Laboratório de Inovação do Banco Central (LIFT Data) um sistema revolucionário para o crédito rural. Criamos uma solução que monitora, em tempo real, todos os requisitos de ESG do Manual de Crédito Rural do BACEN. Em questão de segundos, uma instituição financeira consegue identificar se um produtor está apto a receber crédito com todas as garantias de compliance a partir de dados públicos de imagens de satélite ou de documentos.
Vou dar um exemplo concreto do impacto disso: este ano, o TCU desclassificou milhares de operações de crédito rural por descumprimento das regras do MCR. Foram milhões de reais em recursos que voltaram, produtores frustrados, instituições financeiras penalizadas. Com nossa tecnologia, isso simplesmente não acontece. O monitoramento é contínuo, os alertas são automáticos, a segurança é total.
Mas o impacto vai além do crédito. Estamos viabilizando que pequenos e médios produtores acessem mercados internacionais que antes eram inalcançáveis. Nossa plataforma atende aos rigorosos requisitos da EUDR — a regulação europeia que exige rastreabilidade livre de desmatamento. Produtores que antes gastavam dezenas de milhares de reais em consultorias para comprovar conformidade agora têm essa inteligência disponível a um custo acessível.
Trabalhamos para incluir, não excluir. Queremos que o produtor de Minas Gerais, de Goiás, do Mato Grosso, tenha as mesmas armas competitivas que os grandes players. E quando isso acontece, todo o Brasil ganha: exportamos mais, geramos mais empregos, fortalecemos nossa imagem internacional.
A Lavoura: Qual a importância das ações da startup para o desenvolvimento do segmento?
Junio Magela: Estamos reescrevendo as regras do jogo. Por décadas, compliance ESG foi sinônimo de custos astronômicos, burocracias intermináveis e barreiras de entrada intransponíveis para pequenos e médios produtores. A ESGscan está virando esse jogo. Nossa maior contribuição é provar que dados públicos — quando organizados, interpretados e apresentados com inteligência — são um superpoder brasileiro. Nenhum outro país tem a riqueza de informações ambientais, fundiárias e sociais que o Brasil disponibiliza gratuitamente. O problema sempre foi: como transformar essa montanha de dados em decisões práticas?
Resolvemos isso. E ao resolver, criamos um efeito cascata transformador: bancos conseguem emprestar mais e com mais segurança; produtores acessam mercados antes vedados; seguradoras precificam riscos com precisão cirúrgica; exportadores comprovam sustentabilidade sem burocracia paralisante.
O Brasil tem tudo para ser o país mais transparente do mundo em cadeias produtivas sustentáveis. Não por acaso, mas por escolha estratégica. E a ESGscan está pavimentando esse caminho.

O CEO da ESGscan, Junio Magela. Foto: Divulgação
A Lavoura: Como você avalia o cenário atual do setor e quais as perspectivas para o futuro?
Junio Magela: Vivemos um momento de inflexão histórica. O mundo não está mais perguntando *se* as empresas devem ser sustentáveis, mas *como* elas vão provar que são. A pressão vem de todos os lados: reguladores cada vez mais rigorosos, consumidores cada vez mais conscientes, investidores cada vez mais exigentes.
A União Europeia está liderando essa revolução com regulações como a EUDR, mas não será a última. Em breve, veremos exigências similares dos Estados Unidos, da China, de todos os grandes mercados. A mensagem é cristalina: ou você comprova sustentabilidade, ou você fica de fora.
Para o Brasil, isso representa uma bifurcação no caminho. Podemos ver essas exigências como barreiras e perder mercado, ou podemos enxergá-las como oportunidades e dominar o jogo. Minha aposta é na segunda opção — e os números me dão razão.
O agronegócio brasileiro é tecnologicamente avançado, temos sistemas de monitoramento ambiental sem paralelo no mundo, produzimos com eficiência invejável. Nosso “problema” nunca foi produzir com sustentabilidade — foi provar isso de forma ágil e econômica. E é exatamente aí que a tecnologia muda tudo.
Nos próximos cinco anos, veremos uma corrida por soluções de rastreabilidade e compliance. As empresas que se anteciparem sairão na frente. As que esperarem pagarão o preço da obsolescência.
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Plataforma utiliza base de dados que escaneia e monitora os riscos ESG da cadeia de suprimentos. Foto: Divulgação
A Lavoura: Na sua avaliação, quais os principais desafios do segmento?
Junio Magela: O primeiro grande desafio é cultural. Muitos ainda veem compliance ESG como custo, como burocracia, como “mais uma exigência do governo”. Precisamos mudar essa mentalidade. Compliance bem-feito é gestão de risco, é acesso a mercado, é valorização da marca, é vantagem competitiva.
O segundo desafio é a fragmentação da informação. O Brasil produz dados fantásticos, mas eles estão espalhados em dezenas de plataformas diferentes, em formatos incompatíveis, sem integração. É como ter todas as peças de um quebra-cabeça, mas em caixas diferentes. Nosso trabalho é montar esse quebra-cabeça automaticamente.
Há também o desafio da inclusão tecnológica. Não adianta desenvolvermos soluções de NASA se elas custarem como foguete espacial. A inovação precisa ser acessível, escalável e descomplicada. O produtor que está no campo não pode precisar de um PhD em tecnologia para usar nossas ferramentas.
Por fim, enfrentamos o desafio da velocidade. As regulações mudam rápido, os mercados evoluem constantemente, as exigências se sofisticam a cada dia. Nossas soluções precisam ser dinâmicas, atualizadas em tempo real, sempre à frente das curvas de mudança. Mas vejo cada um desses desafios como oportunidades disfarçadas. E com tecnologia, dados e propósito claro, estamos transformando obstáculos em degraus.
A ESGscan é mais que uma startup de tecnologia — somos agentes de transformação de um mercado que vale trilhões de dólares. Nascemos da convergência perfeita entre direito, programação, arquitetura de sistemas e ciências ambientais. Nossa equipe não apenas entende de código; entende de sustentabilidade, de compliance, de agronegócio, de mercado financeiro.
Fazer parte do SNASH é uma honra e uma responsabilidade. Estamos construindo o futuro do agro brasileiro, um algoritmo de cada vez. Nossa visão é que, em poucos anos, nenhuma operação de crédito, nenhuma exportação, nenhuma transação relevante no agronegócio aconteça sem passar por uma análise de riscos ESG automatizada.
Queremos ser o padrão-ouro da inteligência ESG no Brasil — e quem sabe, no mundo. Porque quando dados públicos encontram tecnologia de ponta e propósito transformador, não há limite para o impacto que podemos gerar. O futuro é transparente. O futuro é rastreável. O futuro é sustentável. E a ESGscan está escrevendo esse futuro hoje.